sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Pela metade

(cena I: Estou esperando o sinal. A pontada que anuncia o vômito. O esôfago queimando, o estômago em minhas mãos.)

A cena se confunde.

Olhando para escuridão agora, entre aquele círculo azul no meio dos meus olhos e o vazio que os circundam, 24 quadros passam correndo como num filme. Cada cena um novo cenário, uma nova causa e efeito, mas o fim... o fim é sempre o mesmo. Todos os dias há 6 anos.

(cena I, pt.2 : Há sangue escorrendo de minha boca, de onde acaba de voar meu estômago corroído de úlceras. Há sangue em minhas mãos também, na camisa branca. Sangue na calça jeans azul, na mesa. Olho ao meu redor, tudo que vejo é o nada. Tudo o que não vejo. Morrer...)

Foco.

Dói-me um pouco abaixo das costelas, dói-me o estômago dilacerado dos devaneios anteriores. Respiro fundo, mexo os ombros, a cabeça. Respiro fundo - outra cena.

(cena II: Dessa vez, não há espetáculo. Não há órgão vital fora do lugar, nem o vermelho do sangue. Apenas desmaio em minha cadeira, testa na mesa. AVC... ou seria um parasita? – Morto.)

-... Deveriam mostrar o corpo. – disse alguém.

- Para mim, o processo todo foi armado. Se um avião tivesse batido mesm...

(cena III: Aviões colidindo. Desespero. Fogo. Fumaça. Gente defenestrando-se. Gente gritando. Gente rezando. Gente queimando. Eu debaixo dos escombros, coberto da poeira pesada e de pedras. Morto.)

Às vezes situações alheias influenciam no enredo.

Não importa o quão bonito seja o dia, o entusiasmo do momento, situação qualquer em que me encontre. Os segundos em silêncio são revertidos nesse thriller. Analisando agora, talvez tenha sido essa a forma que encontrei de encarar o sobreviver. Defino esse vício como "perspectiva de vida".

(cena IV: Meu corpo convulsiona numa cabine de metrô. Todos estão olhando, mas ninguém se move. Espuma a vazar no chão encardido e azul. Ninguém me toca, talvez pensem que transmitirei Raiva. Não estão de todo errados, Raiva é o estou transmitindo através do meu campo energético. Sufocar...)

Não acho que eu possua uma tendência suicida, os fatores causadores são alheios a minha ação. Eles são o problema, não eu. Estou mais para um mórbido. Jorge Luís Borges certa vez disse em uma de suas poesias: “Quiero morir del todo; quiero morir con este compañero, mi cuerpo”. Acreditar que estou morto em minha totalidade conforta o que sobrou.

Eu não sou o único, sabe? Gosto de dizer. A sociedade em que vivemos atualmente é constituída basicamente de mortos-vivos, zumbis. O mundo em constante guerra, tremendo, explodindo-se em energia nuclear e nós aqui, sentados confortavelmente com nossos egos. Nossa dor é modista, nossa compaixão piadista, amanhã estaremos a falar sobre a tragédia da vez. Nossa comoção é pela novidade. E ainda esperamos aquela onda de “zumbificação”, um vírus, como nos blockbusters. Não há o que esperar, sabe? Já aconteceu. Está acontecendo agora. Se espalhou por toda rede.

Ansiosamente, eu espero a cura.
A cura é a morte. Morrer é questão de tempo.

Minha freqüência volta à sala, alguém me inclui na conversa.

– Concordo! – digo.

Risada coletiva. Sobre o que falavam?

**
Acendo um cigarro atrás do outro, tentando me equilibrar no meio-fio.
O dia é sempre cinza na cidade dos mortos-vivos.

Quando foi que eu me tornei tão... existencialista?
O momento exato.
O estopim.
Quando foi que a maré me pegou, me embrulhou e não mais...? Não mais.
Boiando por anos no Antlântico me afoguei...
Mas quando?

**

Deslembrança: 30 de dezembro - fumei uma erva, engoli um pastel engordurado, dormi no tapete puído e nunca mais acordei.

Isso aconteceu no ano passado.

**

Um carro passa correndo, leva meu ar e a esperança.
- OLHE POR ONDE ANDA! - por pouco...

Quando foi que me tornei tão... necessitado de atenção? Tão carente.
Pedindo sermões, pedindo castigo.

Os cigarros acabaram.

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