quarta-feira, 25 de abril de 2012

Duas portas

Eles não te darão o tratamento psiquiátrico que você precisa. Nem as palavras, nem a presença. A verdade é que você está sempre sozinho. Por mais que eles digam que estarão lá, não há ninguém atrás da porta quando você desmaia. Há só você em cena no momento em que fita os remédios e dialoga sobre o que será. Você e a válvula de escape. Não há ninguém na sua cabeça para dizer que não e ninguém ao seu lado para impedir esse instante. É só você. Você, os remédios e as paredes.

Eles só podem limpar as feridas que conseguem ver, mas usam óculos escuros e nossos relógios são de diferentes tempos.

**

Meu despertador aguarda o momento.

Agora.

As luzes do banheiro estão todas acesas, o que acentua o espelho manchado de dedos e respingos. Há um inseto esmagado na pia suja de pasta de dentes e a fumaça do cigarro quase no fim dando voltas no Box verde que minha mãe odeia tanto.  Nunca prestei atenção a essas coisas que só os que se importam vêem, como os fios de cabelo no chão ou unhas mal-cortadas.
Minha cueca molhada das poças do banho de hoje cedo me incomoda. Talvez eu devesse molhá-la de outra coisa pela última vez, mas não tenho vontade. Acabou o fumo, o filtro queima as pontas do meu dedo, mas eu não me movo. Daqui a algumas horas eu não sentirei mais nada.

- Cite três fortes razões.
- Diga o nome dos culpados.
- Explique a sua decisão.
- Argumente.
- Pese prós e contras.
- De novo.
- De novo.
- De novo.

A verdade é que se você precisa se convencer de fazer algo, é porque não quer fazê-lo.

Mas os remédios estão enfileirados, todos cor-de-rosa, não sei quantos, mas muitos, iguais aos da primeira viagem. E a casa está vazia, nenhum grito atrás da porta. Ninguém chamando para o almoço e o telefone está desligado.

Eu esperava fazer isso durante a madrugada, mas o dia está cinza. Tanto faz.
Eu deveria deixar um bilhete? Nunca deixei bilhetes.

Agora.

Não há ninguém atrás da porta enquanto a morte te engolfa.

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