quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

4-5 mg

Falta de ar, um peso no peito. Tosse. Tosse. Tosse. Quero dormir, quero tanto dormir. Pulmão de algodão. Parece que tem feijão crescendo aqui dentro, pode rir, mas tá doendo. E é revoltante, você passa 365 dias de uma merda de ano fumando uma plantação inteira de tabaco e o pulmão de ferro. Passa dez meses se controlando, para ter uma crise asmática por três dias de estiagem - não deveria ter parado. Às vezes sinto falta da certeza do futuro câncer, sinto falta da fumaça que entra e sai, escurecendo e apodrecendo-me devagar, sinto falta da presença da morte, do suicídio gradual.

Odeio não dormir. A madrugada é convidativa demais ao pensamento masoquista e odeio ver o sol acordar nessa melancolia. Eu gosto é de fingir que o dia será bom, mesmo que nunca.

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As gotas grossas de chuva passam correndo e se perdem nas janelas. Todos são tristes dentro do ônibus, de rostos cansados, olhares vagos e ombros caídos. Acordei grave e com as mãos ociosas. O velho hábito motor de fumante, levando um cigarro imaginário à boca e o pulmão dolorido encenando o inspirar e expirar. Não sei se é saudade ou é só vontade. Se bem que a minha única vontade é de dormir, estou meio sem vontades esses meses. Deveria ter me dito mais nãos, quem sabe ainda me sobrasse o que querer.

A mulher sentada ao meu lado me olha esquisito. Será o cabelo sujo ou eu disse algo em voz alta? Talvez ela possa ler meus pensamentos assim como eu leio o de algumas pessoas, só de olhar, assim, olho no olho, mesmo que o olhar do outro esteja longe. É quando está longe que a gente sabe mais o que estão pensando.

Queria que tirasse os olhos de mim. Queria que parasse de tentar me-saber. Me julgar. Me olhar de fora. Me olhar para dentro.

Sou tão hipócrita.

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Ignorando o desnecessário do diálogo, o que aconteceu foi isso:

- Você deveria estar aqui há uma hora. – lábios finos.

- Eu sei, desculpa.

- Você dormiu pelo menos? – compulsivamente mexendo nos cabelos.

É o que ela faz quando quer tomar o controle.

- Duas ou três horas.

- E dormiu pouco ainda! Como você quer ter uma conversa séria se nem completamente sóbrio você está? O que tomou? – e grita como se fosse, como se importasse.

- O de sempre.

- Quantos, Otávio? – a jugular pulsando.

- Alguns.

- Eu não aguento mais a sua...

- Existência. É o que vim dizer hoje. Então estamos de acordo. Viu? Eu consigo ter uma conversa séria. A conta, por favor... – quero vomitar.

Cigarros, cigarros, cigarros, cigarros, cigarros, cigarros...

- E o maço mais barato que tiver.

Segunda-feira eu paro. De novo.

Além de hipócrita sou também cretino.

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Mantenha-se gelado para sair ileso. Mantenha-se parado, eles só enxergam o movimento. E principalmente: finja.

O mundo é dos que fingem.

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Saldo de aniversário: Troquei minha namorada por um maço de cigarros.


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