quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Condolências

Pois bem, você precisa de fatos.
Fato é que eu não sei ser, então vou estando qualquer coisa só pra não ter que me preocupar com isso. Outro fato é que minha vida é uma merda, mas a vida de quase todo mundo é uma merda, então não há nada de especial em ser parte disso e nada de especial sobre minha vida para dizer. Ignorante quem pensa que sentir demais é algum dom.

Mas você ainda precisa de fatos, você precisa do concreto para visualizar.
Feche os olhos. Imagine um cara qualquer, sem rosto, sem mãos.
Veja tudo que é clichê. Tudo que é doentemente clichê.

Se eu tivesse parado de tentar ser alguma coisa aos 15, talvez eu estivesse algo mais apresentável hoje. Algo além de um nome num papel verde. Otávio Alencar, um velhaco de 19 anos com cheiro de incenso de alfazema. Esse é o único fato, todo o resto é uma mentira bem contada.

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Acordei esses dias e continuei dormindo. Dormi a semana inteira acordado. Não sei qual das opções, mas minha cabeça dói e os olhos estão meio roxos. Ouvi falar que muita gente morreu, mas não tenho certeza. Podia ter sido eu, mas continuo acordando e dormindo.

Estou sem o que contar, esqueci todas as festas, todas as conversas de bar, todos os beijos. Não me faz muito sentido, sabe? Lembrar do que não senti. E eu não sinto há tanto tempo que acho que alguns anos se passaram e eu fiquei aqui, estagnado nas memórias de criança.

Uma lembrança: Gostava de esperar meu pai chegar do trabalho. Esperava a porta, com as mãos sujas de guache. Trazia sempre um chocolate diferente. Bebíamos leite juntos. Saudades de quando era simples assim.

Eu, Otávio Alencar, uma criança de 19 anos cheirando a leite.

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Amanhã é meu aniversário.
Queria de presente os meus (não tão) antigos vícios.
Queria de presente um despacho para esses (não tão) recentes.
Queria não me lembrar que amanhã é meu aniversário.

Otávio de duas décadas. Otávio de tempo nenhum.

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